Domingo, 10 de Dezembro de 2023
Domingo, 10 de Dezembro de 2023
Slogan Jornal Informal

TIAGO BRUTTI

O POPULAR E O ERUDITO NA CULTURA BRASILEIRA



Professor, pesquisador, editor e um dos maiores intelectuais da região noroeste gaúcha, o giruaense Tiago Anderson Brutti é articulista do Jornal Informal

O POPULAR E O ERUDITO NA CULTURA BRASILEIRA

Tiago Anderson Brutti

Terry Eagleton (2011), no que diz respeito à ideia de cultura, evidencia as raízes naturais e os  desdobramentos que a vida em sociedade trouxe ao termo cultura, à luz dos significados atribuídos pela etimologia da palavra, resgatando-se as dimensões social, política, ideológica e natural, no intuito de alertar os leitores quanto à crise que se engendra no interior do debate a respeito desse conceito.

A cultura em crise nos remete à existência concreta de “guerras culturais”.

A complexidade do termo pode ser reconhecida ao se recordar que seu conceito deriva do de natureza, e não o contrário. Um dos significados originais é “lavoura” ou “cultivo agrícola”.

O que inicialmente denota um caráter material se tornou uma questão do espírito diante das transformações da própria humanidade. Habitantes urbanos seriam legitimamente cultos, pois a agricultura consumiria o tempo e a energia necessários ao lazer e à cultura.

No contexto da Ditadura Militar mais recente imposta no Brasil, a separação hierárquica entre o popular e o erudito implicava, segundo José Luiz dos Santos (2006), que em um dos polos estaria a pessoa culta, que tem acesso ao teatro, aos cinemas, aos quadros, às últimas tendências da moda, ao jockey club e às universidades, e que no outro pólo estaria a cultura popular, 

que assiste ao futebol, participa das rodas de samba, 

dos terreiros do candomblé.

 

 

O conhecimento e a experiência do primeiro grupo era  positivamente valorizado. 

Ali estavam os militares, os burgueses, os ocupantes dos cobiçados cargos públicos (a nobreza), os meios de comunicação, os banqueiros e os bancários, estes últimos à época remunerados com maior dignidade.

No segundo grupo estava a população trabalhadora das fábricas e da lavoura, e ainda os intelectuais, orgânicos, que representavam uma emergente classe artística, que se dispunha por intermédio da arte popular a questionar os valores do sistema militar que subordinou a política e o sistema jurídico. Nas palavras de Santos (2006, p. 30):

 

 

Cultura pode por um lado referir-se a “alta cultura”, à cultura dominante, e por outro a qualquer cultura. No primeiro caso, cultura surge em oposição à selvageria, à barbárie; cultura é então a própria marca da civilização.

Ou, ainda, a “alta cultura” surge como marca das camadas dominantes da população de uma sociedade; se opõe à falta de domínio da língua escrita, ou à falta de acesso à ciência, à arte e à religião daquelas camadas dominantes.

No segundo caso, pode-se falar de cultura a respeito de qualquer povo, nação, grupo ou sociedade humana.

 

Quem separava os cultos dos incultos era, principalmente, a classe dominante, ao se colocar como parâmetro para toda a sociedade. Nesse contexto, foram os valores cívicos nacionalistas que estabeleceram os limites e diferenças entre patriotas, que valorizam e amam a pátria e a família, e os outros, os estranhos, desordeiros supostamente antipatriotas, que ameaçavam estes valores.

Nas palavras de Bauman (2012, p. 244):

 “A ofensa do estranho consiste de ele não compartilhar [...] pressupostos básicos (e) 

ter colocado em questão quase tudo que parece inquestionável para os membros do grupo considerado”.

O comunismo, como é notório, ocupava o lugar percebido como essencial na afirmação do regime: havia um inimigo comum e imaginário a ser vencido. Constituindo um objetivo comum, o combate ao comunismo foi o princípio que aproximou a classe dominante de grande parcela dos trabalhadores.

Na próxima coluna continuarei abordando a ideia de cultura com base em Eagleton e Bauman. Foram citados neste texto os livros “A ideia de cultura”, de Terry Eagleton, “O que é cultura?”, de José Luiz dos Santos, e “Ensaios sobre o conceito de cultura”, de Zygmunt Bauman. Até a próxima!

 

Imagens:

Realizarq
Cidade das Tortas
Cia das Persianas
Lisoneide Terhorst
jonata
Aulas
Fichips
Diana Konzen