Marcelo Ataide Bochi
Advogado OAB/RS 41.430
Costumamos associar herança a bens, sobretudo de caráter puramente material: imóveis, aplicações financeiras, veículos, joias. Mas, e coisas que raro alguém não possuir na atualidade, como contas de e-mail, perfis nas redes sociais e arquivos armazenados num drive, constituem herança ou não?
Podemos responder imediatamente que sim! São parte dos itens que os operadores do Direito qualificam como herança digital, tema ainda relativamente recente e que, por falta de uma regulamentação específica, tem gerado debates e consequentes divergências no meio jurídico. De modo que nossos tribunais têm sido chamados a decidir controvérsias quanto a titularidade, administração e uso dela. As decisões, por sua vez, pautam-se em cima de regras já vigentes, afora buscarem primar pela razobilidade. Há projeto no Congresso Nacional que, por exemplo, busca acrescer o parágrafo único ao artigo 1.788 do Código Civil: "Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais do autor da herança".
A herança digital pode não corresponder a uma quantia em dinheiro; pode traduzir-se em algo puramente sentimental, como conjuntos de fotografias e vídeos criados e/ou mantidos pela pessoa falecida. Mas, independentemente disso, como harmonizar o direito do morto à privacidade com o direito dos familiares/herdeiros aos dados deixados? As soluções têm variado! Quando o bem tem conteúdo econômico, caso dos criptoativos, é pacífico que a chave seja revelada aos sucessores. Mas alguns magistrados já julgaram que uma mãe não pode ter acesso aos perfis da filha falecida por constituírem algo personalíssimo e portanto exclusivo da usuária. A existência de adesão da titular a termo que veda transmissão da senha a terceiros contribuiu ao entendimento.
Importante assinalar que os usuários, em vida, podem optar por indicar alguém para cuidar da conta que será transformada em memorial ou excluí-la. Se a pessoa falecida não indicou, a tendência é concluir-se que o caminho seja a exclusão da conta. De outra banda, está ao alcance do titular formular um testamento, público ou privado, apontando o acervo digital, forma e conteúdo que será acessível após a morte do testador. Afinal, à falta do documento, vige o art. 1.788 do Código Civil: "Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo".
É recomendável que as pessoas tenham preocupação com o destino dos bens digitais, evitando prejuízos de quaisquer ordens, sejam financeiros, sejam afetivos.